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Reportagem

O torcedor fantasma do Colo-Colo

Corria o ano de 1991 e o Chile havia acabado de sair de um governo ditatorial que durou 17 anos. Os resquícios de violência do período talvez tenham se refletido na semifinal da Libertadores, no duelo entre Colo-Colo e Boca Juniors, onde foi deflagrada uma batalha campal em que a equipe mapuche saiu vitoriosa. Na decisão, enfrentaria o paraguaio Olímpia, travando assim a primeira final de Libertadores da história sem equipes do trio de ferro sudaca, Brasil, Argentina e Uruguai. Com a bola rolando, o título ficou com o Colo-Colo. Mas antes do apito inicial, uma cena curiosa povoou o imaginário chileno durante alguns anos.

Quando os jogadores do Colo-Colo se posicionavam para tirar a tradicional foto posada, um garoto vestido de amarelo, com uma faixa na cabeça e uma bandeira chilena às costas, pulou escorregando na frente dos atletas. Anônimo, após a vitória cacique, o garotinho passou a ser procurado, sem sucesso, por diversos jornais chilenos que queriam contar a história do menino. Logo, a imagem passou a ser tratada como um amuleto, um fantasma que apareceu no Estádio Monumental para a eternidade.

Mas, quem diabos seria o garotinho? Todos queriam sabem quem ele era, mas ninguém o conhecia. Funcionários, torcedores organizados, jornalistas… a identidade do fantasma era um mistério. Anos depois um boato surgiu de que o intruso seria o atacante José Luis Villanueva, que inclusive teve discreta passagem pelo Vasco da Gama. Villanueva, na época com cerca de dez anos, acompanhou quase todas as partidas como “mascote” da equipe. Mas com a batalha campal da semifinal, a Conmebol exigiu que ninguém alheio ao jogo estivesse em campo. Além disso, Villanueva sequer foi ao estádio e assistiu a decisão pela TV, pois seu pai havia viajado.

Posteriormente, muitos outros tentaram aparecer na mídia se provlamando como o “hincha fantasma”. Aos poucos, as lendas urbanas iam caindo. E quase 20 anos depois, enfim se descobriu com certeza a identidade do garoto. Conhecido por “Monito”, por ser filho de um homem apelidado de “Mono”, extraiu do pai a vontade de aparecer em fotos junto a jogadores e equipes de futebol. Batizado de Luis Mauricio López Recabarren, o menino, de 15 anos na época, fez na final da Libertadores sua penúltima apresentação em “las canchas”. Meses depois voltou a aparecer em um jogo da Copa América, entre Chile e Argentina. Se aposentou após levar uma “lição” da polícia. 

Polícia, essa, que faria parte de sua vida como adulto. Desde pequeno, a rua era sua casa. Seu primeiro delito aconteceu com apenas seis anos, quando foi pego pelo pai pegando moedas de um ônibus. Mais velho, passou por vários reformatórios. Morando próximo do Estádio Nacional, Monito apareceu em fotos posadas com diversas equipes. Mas o ponto alto de sua vida foi mesmo a final da Libertadores. A aura de fantasma ganhou ainda mais força, por ter tocado o ombro de Luis Pérez, que marcou dois dos três gols do Colo-Colo na decisão. Porém, a vida de crimes continuou. Vítima de leucemia, sucumbiu à doença aos 23 anos em 30 de julho de 1999, encarcerado no Centro de Detenção Preventiva Santiago Sur. 

A seguir, o relato de Luis López, pai do garoto, ao jornal El Mercurio, em 2008, sobre a meteórica vida de Monito e sua “partida de despedida”:

“Os jogadores possuem sua partida de despedida e meu filho a jogou no Estádio Nacional, como grande que foi. Havia passado um mês desde a final da Libertadores, na partida do Colo-Colo que o fez famoso, e buscaram por ele por todos os lados para entrevistá-lo. Entraram em contato para que saísse na TV, mas ele se escondeu por medo que o reconhecessem, pois já tinha seus problemas com a lei. Em nossa região todos sabiam que era meu filho, porque  era conhecido por se meter no campo desde  pequeno. Eu fiz primeiro e ele fazia o mesmo que seu pai. O mais curioso disso tudo é que ele não ia ao Monumental, sempre ia ao Nacional, porque era mais perto e fácil de ir. Mas a única vez que foi ao Monumental entrou para a história. Um mês depois do Colo Colo ser campeão, tínhamos a possibilidade de vencer pela seleção. Meu filho vivia na rua e não o controlávamos muito, é verdade. Nunca sabíamos o que ia fazer e só nos dávamos conta quando chegava com uma foto ou o víamos na televisão. Mas sabíamos que queria estar entre os jogadores chilenos. Vários deles estavam também na foto com o Colo-Colo. Foi o dia que o Chile enfrentou a Argentina, a primeira partida. Depois os policiais o pegaram e falaram a ele que o soltariam com uma condição, que nunca mais voltasse a pisar em um gramado de estádio. Meu filho aceitou e apesar de estar tão próximo, nunca mais quis voltar a um campo. Depois se fez homem, teve mais problemas com a lei e morreu no cárcere. O que nos sobrou foram as lembranças. E acredito que o mais importante é que o Monito, meu filho, segue vivo nessas fotos, ainda que seja como um fantasma para todos os outros”.


Texto originalmente publicado em 14 de novembro de 2016, no blog Escrevendo Futebol.

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