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Reportagem

A diáspora e o futebol sueco

Uma análise da influência dos imigrantes no futebol da Suécia.

A Suécia é um país com alto índice de desenvolvimento humano e é conhecido pela sua tolerância com os imigrantes, apesar do avanço de bancadas nacionalistas na política local. Segundo dados de 2011, da Statistics Sweden (SCB), cerca de 19% da população é imigrante ou é filho de imigrantes.

A primeira grande onda de imigração ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, com a chegada de alemães, escandinavos da Dinamarca e da Finlândia, e pessoas dos Países Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia). Entre as décadas de 50 e 60, a Suécia passou a aproveitar a mão de obra estrangeira dos países vizinhos, especialmente da Finlândia. A partir dos anos 70, o país passou a ser um grande centro de refugiados provenientes do Oriente Médio. E é claro, isso tudo refletiu de alguma maneira no futebol.

Na Suécia, há inúmeros clubes de futebol formados graças a diáspora – dispersão de um povo em consequência de preconceito, perseguição política, religiosa ou étnica, etc. – de alguns povos, em especial dos assírios/siríacos, dos curdos e das nações da antiga Iugoslávia.

Assírios

O primeiro grupo de assírios/siríacos que se mudou para a Suécia, saiu do Líbano em 1967. Outros grupos vieram da Turquia, da Síria, e mais recentemente do Iraque. Boa parte dos assírios segue variações da religião cristã. Na religião que é o esporte, eles possuem inúmeras opções dentro do futebol. São 23 times espalhados pelas 9 primeiras divisões da pirâmide do futebol sueco.

Os principais clubes são o Assyriska e o Syrianska, situados em Södertälje. Ambos são considerados representantes nacionais de um povo sem nação e possuem torcedores em várias regiões do planeta. A cidade possui pouco mais de 60 mil habitantes, e é mais conhecida por ser sede da multinacional da indústria de caminhões e ônibus Scania e por ser o local de nascimento do lendário tenista Björn Borg. Södertälje abriga mais refugiados iraquianos do que Estados Unidos e Canadá juntos, além de inúmeros imigrantes provenientes de países como Finlândia, Marrocos, Paquistão e das nações da antiga Iugoslávia. Para se ter uma ideia da influência siríaca, a língua mais falada na cidade, ao lado do sueco, é o siríaco/aramaico.

O Assyriska é o clube siríaco mais antigo do país. Fundado em 1974, chegou à 2ª divisão sueca pela primeira vez em 1992, e foi o primeiro a alcançar a elite, a Allsvenskan, em 2005. Entretanto, o clube não conseguiu se manter e caiu no ano seguinte, na última posição. Outro grande feito na história da equipe foi o vice-campeonato da Copa da Suécia, em 2003, em que goleou o IFK Göterburg por 4×1 e o Djurgardens por 4 x0, mas acabou sendo derrotado na final pelo tradicional Elfsborg, pelo placar de 2×0. Recentemente, o clube fez boas temporadas na 2ª divisão e ficou muito próximo de retornar ao topo do futebol sueco.

O Syrianska foi fundado três anos depois, em 77, com o nome de Suryoyo. Apenas em 86 mudou para o nome atual. Depois de anos nas divisões inferiores, a equipe conseguiu subir para a 2ª divisão, a Suprettan, em 2008, e em 2010 subiu para a elite pela primeira vez na história, se tornando o 61º clube a disputar a Allsvenskan, onde ficou por três temporadas, até cair em 2013. O Syrianska conta com dois brasileiros na equipe, o meia Igor Koppe e o atacante Tarlyson.

Igor falou com exclusividade para o Doentes por Futebol e contou um pouco sobre a experiência no futebol sueco. O jogador de 23 anos saiu do pequeno Linhares, do Espírito Santo e desembarcou em Södertälje em 2013. “A Suécia é um lugar maravilhoso de se viver, tenho um pouco de dificuldade com a língua, mas estou me virando bem já”. O apoio irrestrito da torcida e a rivalidade com o Assyriska são destacados por Igor. “Temos uma torcida bem fanática. Tenho um carinho especial porque eles me acolheram muito bem. O clássico aqui pega fogo, é totalmente diferente de todos os jogos, é muita rivalidade envolvida, tem uma energia extra das arquibancadas, acho muito legal isso”.

No campeonato 2015, as duas equipes estão no meio da tabela, mas com chances de conseguir uma vaga nos play-offs de acesso. “Nosso time é bem forte quando joga em casa. O segredo serão os jogos fora, mas eu acredito que vamos brigar até o final pra subir”, destacou Igor.

Balcânicos

O Balkan, clube pelo qual passou Ibrahimovic durante sua formação, é uma equipe de Malmö fundada em 1962 por imigrantes iugoslavos, e teve em seu elenco jogadores de diversas etnias, como sérvios, bósnios, romenos, albaneses, eslavos, turcos e macedônios. Jamais passou do terceiro nível do futebol local e está atualmente no 6º nível da pirâmide do futebol sueco. É uma das mais antigas equipes fundadas por imigrantes da Europa. Ainda nas divisões inferiores, há diversos clubes destinados a etnias exclusivas, como para os kosovares e bósnios, por exemplo.

Curdos

Os curdos são considerados o maior povo sem uma nação. São cerca de 36 milhões de curdos que se espalham pelo leste da Turquia, norte da Síria e do Iraque e noroeste do Irã. Descendentes de tribos nômades, eles jamais conseguiram se estabelecer como um Estado, mantendo-se sempre sob domínio de outros povos e nações. Na Turquia, por exemplo, onde a maior parte dos curdos vivem, é proibido falar o idioma curdo e milhares deles estão presos por razões políticas. No Iraque, durante o período em que Saddam Hussein esteve à frente do poder no país, milhares de curdos foram exterminados pelo regime.

Estima-se que mais de 100 mil curdos vivam na Suécia. Na cidade de Borlänge, de pouco mais de 40 mil habitantes, nasceu o mais importante representante curdo no futebol, o Dalkurd, fundado em 2004. O clube realizou a mais extraordinária ascensão do futebol sueco, subindo de maneira consecutiva do 8º – e, até então, último – nível para a Division 1, a 3ª divisão sueca, e sempre como campeão.

Em seu site oficial, o clube prega um futebol “ofensivo, atraente e feliz para a torcida” e que os jogadores “devem ter sua mente voltada para o jogo, mas seus corações voltados para o público”. O clube leva esse lema a sério e apoia diversos projetos sociais, além de contribuir com campanhas, como a que ajudou as vítimas de um terremoto de 7.3 na escala Richter na região de Wan, na Turquia, onde vivem milhares de curdos. O Dalkur possui uma torcida grande até mesmo fora da Suécia. No Facebook, são mais de 1 milhão de seguidores, por exemplo.

Além do sucesso instantâneo no futebol, o clube voltou a ficar em evidência no início deste ano por ter desistido de embarcar no Airbus A320, da Germanwings, que se acidentou em março nos Alpes Franceses, vitimando 149 pessoas. E a sorte parece estar mesmo ao lado dos curdos, afinal, o clube lidera a divisão norte da 3ª divisão. Caso o acesso se confirme, seria a 6ª promoção da equipe em 11 anos de existência.

O exemplo sueco reforça mais uma vez o poder social do futebol, ao ser ferramenta importante na inserção destes grupos na sociedade local, e no fortalecimento da identidade cultural destes povos, que mesmo passando pelos desgastantes processos de imigração, conseguiram encontrar seu lugar no mundo.

*Reportagem originalmente publicada no site Doentes por Futebol, em 2016.

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