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Insaciável, Haaland tem o perfil do craque do futuro

Desde que o norueguês Erling Haaland surgiu para o mundo do futebol, a quantidade de gols que o atacante tem marcado – em diferentes condições – o coloca como um dos sucessores do domínio individual de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Mas há diferenças consideráveis no perfil de Haaland em comparação com as duas estrelas da última geração e com a grande maioria dos craques históricos. Haaland é o futuro.

Com 1,94m, o atacante do Manchester City foge dos estereótipos e é um jogador único, mas que aparentemente nos traz uma tendência: cada vez mais teremos atletas como ele, que possuam as mesmas características físicas (fortes desde jovens), técnicas (com um repertório mais objetivo e menos plástico) e táticas (com um posicionamento e movimentação agressivos). Além de um fator adicional que acredito ser primordial para o sucesso.

Físico privilegiado

Em primeiro lugar, é inegável a importância do componente físico no futebol. A evolução nesse aspecto é gritante. O futebol contemporâneo traz uma disputa física a cada palmo. E isso influencia diretamente na intensidade e no nível técnico. Vejamos a mais recente Copa do Mundo. A quantidade de jogadas terminadas em um choque extremamente perigoso – pelo alto ou mesmo em jogadas por baixo – evidenciam isso. Sob o ponto de vista técnico, temos um jogo que exige menos toques do jogador na bola. E, via de regra, é dessa forma que os jovens jogadores são treinados. O objetivo é “se livrar” rápido da bola, para evitar a pressão cada vez mais intensa dos adversários. Vamos falar sobre isso novamente mais à frente, mas de momento vamos voltar a focar no aspecto físico.

Haaland, além de alto, é um tanque. E vem se preparando desde cedo para isso. No Borussia Dortmund, o jogador saltou de 86kg para 94kg de pura massa muscular. E isso não o fez perder velocidade nem agilidade. Estima-se que o atacante consegue atingir um pico de 36km/h, o que o coloca entre os jogadores mais rápidos do planeta. Haaland conduz a bola mesmo sob pressão física dos adversários, costuma levar vantagem em disputas de bola pelo alto ou por baixo e, até pela questão do posicionamento, chega sempre inteiro para finalizar a jogada

Óbvio, Haaland não é o único com um físico extremamente privilegiado. A própria comparação com o “robôzão” Cristiano Ronaldo também se torna inevitável nesse aspecto, mas o português era um garoto franzino quando desembarcou em Manchester e foi evoluindo e se adaptando aos poucos. O perfil técnico também era bem diferente. Lembre-se, antes de se transformar na “besta enjaulada”, Cristiano era um ponta que abusava das firulas e dos dribles estéticos. Haaland não. É um ciborgue com um único objetivo. Balançar a rede adversária.

Técnica específica

Anteriormente, eu falei da necessidade de resolver rapidamente o que fazer com a bola. Para um atacante, essa condição então se torna essencial. Finalizar de primeira é um ponto de vantagem no duelo contra os defensores no futebol moderno. Na última Copa, por exemplo, 75% dos gols foram marcados pelo autor do gol com um único toque na bola. Dos 26 gols feitos com a camisa do City até agora, 20 gols foram marcados com toques de primeira – e não estou contando os gols de pênalti, claro. Seus primeiros 10 gols pelos citizens foram dessa forma.

A técnica de Haaland se resume ao objetivo. Preciso deixar claro que não estou falando de forma alguma que Haaland é desprivilegiado em talento em comparação com Neymar, Messi, Ronaldo, e outros. Mas sua técnica é claramente diferente. É aperfeiçoada para “matar”. Seu gesto de finalização é muito bem treinado e executado. Podemos comparar inúmeros exemplos de gols com finalizações extremamente similares, como o ângulo do pé que chuta, a posição do pé de apoio em relação ao corpo e até mesmo a forma como ele atinge a bola com o pé. Parece programado e, bem, acredito que realmente é.

A maneira de conduzir a bola também chama a atenção. Falei de Messi, certo? Haaland não dribla como o argentino, óbvio, mas possui grande capacidade de conduzir a bola próximo de seu corpo, mesmo em condições desfavoráveis. Outro ponto que se destaca em Haaland é a elasticidade, que nos lembra Ibrahimovic. Perceba que, enquanto descrevo como Haaland joga, os três pilares (físico, técnico e tático) se confundem – afinal, eles não se dissociam durante o jogo.

Senso de posicionamento ímpar

Haaland é muito forte, é muito bom jogador, mas acredito que o principal diferencial seja o entendimento do jogo. O norueguês consegue se posicionar sempre em vantagem ao adversário, invariavelmente ficando livre de marcação, e em situações diferentes. Pouco importa se é um cruzamento vindo da lateral, se é um passe vindo da linha de fundo ou uma bola lançada na velocidade. Haaland se distancia do marcador na hora certa, evitando o choque físico – que se eventualmente ocorrer, o atacante costuma ganhar.

Seu primeiro gol com a camisa do City se origina em um passe em profundidade, em uma jogada que a defesa adversária corre para trás. Há uma linha de três jogadores à frente de Haaland, que estão muito próximos um do outro, mas o atacante passa à frente sem qualquer combate. Na maioria de seus gols -e é até óbvio falar sobre isso – Haaland ataca a bola. Raramente ele fica esperando a bola no pé, ainda que seu time conte com alguns dos melhores passadores do mundo. Sua leitura de onde a bola estará no segundo seguinte impressiona. Além, claro, de sua capacidade de se posicionar por trás do marcador e, se necessário, ganhar a frente.

Sobre seu papel tático diante do coletivo, Haaland é o camisa 9 de função. Sempre centralizado, sempre na grande área. Mas o que o diferencia dos demais? Por que é tão difícil encaixotá-lo em um sistema de marcação? Embora sua atuação se concentre na faixa central do último terço de campo, Haaland dificilmente afunda na marcação. Ele não joga de costas para o gol. Mesmo que seja o último homem do ataque, seu posicionamento busca condições de receber o passe de frente para a meta. Ele não é um mero espectador do que acontece à volta, mas um protagonista, que progride junto com seus companheiros.

Mindset

Pode parecer conversa de coach vendedor de curso, mas é inegável a importância do mental blindado. Haaland é um jogador que parece não sentir a pressão externa. Podíamos adotar o clichê de falar que o jogador possui a “frieza dos nórdicos”. Porém, o que vemos em Haaland é um psicológico forte, concentrado e feliz. Forte pois parece não sofrer impactos das usuais pressões do futebol. Concentrado, pois nada o tira de seu objetivo de marcar gols. E feliz, pois, sinceramente, a sensação que Haaland nos passa é de que está jogando na rua com os amigos.

Seu mindset é trabalhado para atingir o topo. Cristiano Ronaldo e Messi elevaram as expectativas do que é um jogador de ponta. Menos que 40 gols no ano? Isso não é mais uma temporada considerada brilhante para um jogador de ataque. A ambição do norueguês é marcar um gol atrás do outro como se fosse simples, e para ele é. Em algumas ocasiões, mesmo tendo marcado dois ou três gols, Haaland lamenta em entrevistas que poderia ter marcado mais. Mas não é um lamento de quem está se cobrando, se martirizando ou focando no erro. É apenas uma constatação de que era possível fazer mais e que esse é o seu pensamento durante cada um dos 90 minutos: fazer mais um gol.

Sobre essa questão, o goleiro brasileiro Ederson, companheiro de Haaland, comentou há poucos dias para o site oficial do City. “Ele tem uma mentalidade absurda. Ele também é um cara calmo. Ele é muito calmo, mas com uma grande ambição”, relatou.

Seu profissionalismo, ao menos o que se pode ver publicamente, é exemplar. E uma entrevista dada por ele recentemente, exemplifica isso.

“Eu era uma espécie de comentarista da Copa do Mundo na minha própria casa, onde ninguém me ouvia. Recarreguei minhas baterias e ver outras pessoas marcando e ganhando jogos na Copa do Mundo me motiva e também me irrita. Estou faminto e mais pronto do que nunca.”

Uma fome que parece não ter fim.

Imagens: Manchester City Official Site