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Especial Reportagem

Totonero: o futebol italiano das cinzas à glória

A cada vez que Massimo Cruciani ia vender suas frutas e verduras a Alvaro Trinca, dono do restaurante Le Lampare, os dois passavam um tempo jogando conversa fora. Como todo bom italiano buona gente, conversavam também sobre futebol. E quem não gosta de fazer uma fezinha? Cruciani costumava fazer algumas apostas em uma loteria esportiva clandestina. Uma espécie de “jogo do bicho”. Alguns clientes de Trinca eram jogadores da Lazio, tradicional equipe da capital italiana, que passaram a dar dicas aos dois amigos, que viram uma oportunidade ímpar de conseguir um dinheiro muito fácil. Mas nem sempre a informação era correta, e ambos começaram a perder algum bom dinheiro no jogo. Irritados com o descumprimento dos acordos, resolveram entregar o jogo, e no dia 1º de março de 1980, entraram com uma denúncia na Procuradoria da República.

De maneira meteórica, as investigações levaram a prisão de 13 jogadores em apenas 23 dias. Pellegrini do Avellino, Girardi do Genoa, Cacciatori, Giordano, Manfredonia e Wilson da Lazio, Merlo do Lecce, Albertosi e Morini do Milan, Magherini do Palermo, Casarsa, Della Martira e Zecchini do Perugia. Além destes, Dossena e Savoldi do Bologna, Damiani do Napoli, e o principal jogador do futebol italiano, Paolo Rossi, do Perugia. Esportivamente, as punições foram pesadas. 20 jogadores e 2 técnicos foram punidos com penas de três meses de suspensão a banimento do esporte (no caso de Albertosi, goleiro da Itália na Copa de 70). Paolo Rossi recebeu inicialmente 3 anos de suspensão e Bruno Giordano ficou com uma pena 6 meses maior. O caso ficou conhecido como Totonero. Judicialmente, apesar da prisão dos jogadores e de Cruciani e Trinca, nenhuma pena de reclusão foi aplicada aos envolvidos.

Além dos jogadores, quem também sofreu com sanções foram os clubes. Milan e Lazio foram rebaixados para a série B. O Milan voltou no ano seguinte e novamente foi rebaixado, dessa vez, dentro de campo. Após nova temporada na segunda divisão, os rossoneri voltaram pra ficar em 1984, junto da Lazio. Avellino, Bologna, Perugia, Palermo e Taranto começaram o campeonato de 80-81 com cinco pontos a menos. O Perugia, acostumado aos milagres no fim da década de 70, acabou rebaixado no fim daquela temporada.

Durante o processo de apelação, Paolo Rossi sempre foi convicto em afirmar sua inocência. Com a aproximação da Copa de 82, a pena do atacante acabou sendo reduzida para dois anos. Voltou antes do fim da temporada 81-82, e pela Juventus, marcou 3 gols em três jogos. Mesmo sem ter feito parte do grupo durante as Eliminatórias, Enzo Bearzot confiou em Rossi e o convocou para o Mundial. O resto da história todos conhecemos. Paolo marcou 6 gols na Copa da Espanha, três deles diante do Brasil na Tragédia de Sarriá e garantiu o tricampeonato do mundo para a Itália.

Foto: Umberto Pizzi / GIACOMINOFOTO / Fotogramma


Após o escândalo, a Federação Italiana resolveu abrir o mercado para estrangeiros, e buscou alternativas de crescimento para o campeonato italiano. O futebol na bota, que no início dos anos 80 era apenas o 10º no ranking de ligas da UEFA, passou a ser o principal campeonato do planeta, status que durou até meados da primeira década do século XXI. Em 86, outro caso de manipulação de resultados foi deflagrado no país por Armando Carbone, amigo de Italo Allodi, então técnico do Napoli. Dezenas de jogadores recebiam quantias de dinheiro para entregar as partidas. Havia envolvimento de atletas das séries A, B, C1 e C2. Nove equipes foram punidas, entre elas novamente Lazio e Perugia, além de 51 profissionais do esporte. Vinte anos depois, o calcio viria a sofrer um novo duro golpe: o Calciopoli.

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