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Especial Reportagem

Caso Ivens Mendes

Os anos 90 no futebol brasileiro trazem muita nostalgia pela quantidade de craques e grandes equipes que tínhamos. Mas fora das quatro linhas, a desorganização imperava. Muitos aspectos continuam sem mudança, é verdade. Mas aberrações como a Copa João Havelange, aparentemente, estão longe de se repetir. Em compensação, a corrupção dentro do futebol parece um inimigo invencível. E foi um dos pilares para uma das muitas viradas de mesa do Campeonato Brasileiro, além de transparecer um modus operandi que parece vivo até hoje.

No dia 7 de maio de 1997, o Jornal Nacional apresentou conversas gravadas de Ivens Mendes, um senhor de 62 anos e que comandava a Comissão Nacional de Arbitragem, a Conaf. Nessas conversas, Mendes aparece conversando com os presidentes de Atlético Paranaense e Corinthians, Mario Celso Petraglia e Alberto Dualib, respectivamente. Com o mandatário do time paranaense, Ivens pedia 25 mil reais e insinuava que poderia dar uma ajuda em relação à arbitragem.

– Alô, Mário Celso?
– É.
– Eu estou precisando que você me mande hoje R$ 25 mil
– Liga para a minha secretária, a Marli, dá os dados para ela, que eu entro em contato com ela e providencio .
(…)
– Tem que sentar a borduna no Vasco aí. Eu, se puder, vou até falar com o juiz para dar uma mãozinha para você.
– Quem é que vem?
– Aí é o Godói, o Oscar. Até precisa falar para os seus jogadores que esse Oscar é meio unha de cavalo. Não reclamar, não fazer p… nenhuma. Marca direitinho o Edmundo, ele fica nervoso.

Com Dualib, pedia ajuda financeira para sua campanha. O presidente corintiano afirmou ter uma relação estritamente pessoal com a campanha de Mendes, e Petraglia se disse coagido, mas que não participou de nenhum tipo de fraude.

Em apuração posterior, a revista Placar colheu um depoimento exclusivo do árbitro José Aparecido de Oliveira, que apontou que Ivens não atuava apenas no futebol brasileiro, mas também “em prol” da Seleção Brasileira nas Eliminatórias. José Aparecido de Oliveira foi escalado para apitar o jogo entre Colômbia e Argentina em Barranquilla no dia 15 de agosto de 93, pelas Eliminatórias da Copa, junto dos auxiliares Daniel Fernandes, José Jurandir Lins e do quarto-árbitro Oscar Roberto Godói. “Ele (Ivens) pediu que eu ajudasse a Argentina. Depois os argentinos ajudariam o Brasil”. Naquela partida, a Colômbia venceu por 2 a 1. O depoimento de Daniel Fernandes para a Placar reforça a participação do então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, no esquema. “Não cumprimos o acordo firmado entre os presidentes Ricardo Teixeira, da CBF, e Julio Grondona da AFA (Associação Argentina de Futebol), e ficamos de fora para sempre dos jogos internacionais”.

Reprodução/Placar


Ivens Mendes teria procurado José Aparecido no dia 11 de agosto. “Você vai apitar em Barranquilla e deve ajudar os argentinos. O Brasil certamente vai precisar de auxílio nas Eliminatórias e quem vai cuidar disso são os argentinos, e não os colombianos”, teria dito o dirigente ao árbitro. Atormentado pelo pedido, Aparecido conversou com os três colegas de apito. Prontamente, Daniel rechaçou a ideia, com a aprovação dos demais. “Você pode até fazer o esquema. Mas eu vou denunciar. A cada gol da Argentina que você marcar, eu levanto minha bandeira. Tenho três filhas e quero voltar para casa. Aqui na Colômbia eles matam por causa de futebol, sabia?”. De pele negra, Aparecido estava “branco”, segundo palavras de Oscar Roberto Godói, principalmente diante dos seguranças colombianos e suas metralhadoras, no vestiário reservado aos árbitros. Na volta ao Brasil, Aparecido recebeu a notícia do próprio Ivens Mendes. “Você está fora da FIFA, por determinação da AFA!”. O destino seria o mesmo para Daniel e Jurandir.

O também árbitro Valter Senra já havia denunciado situação similar durante o Campeonato Brasileiro de 1993. “A Portuguesa precisava ganhar por quatro gols de diferença e o Ivens me disse que tinha interessa particular que o Remo não se classificasse. A Portuguesa venceu por 2 a 0 e não conseguiu a classificação”, o que fez com que o juiz apitasse apenas jogos da série C, segundo Senra. Curioso notar que naquela partida o Remo recebeu 9 cartões amarelos e um vermelho, além de ter tido um pênalti marcado contra de maneira suspeita.

Além de tudo isso, Ivens Mendes era acusado de ajudar seu time do coração, a Francana, e de manter um seleto grupo de árbitros preferidos. Seriam eles: o sergipano Sidrack Marinho, o cearense Francisco Dacildo Mourão, o mineiro Márcio Rezende de Freitas, o goiano Antônio Pereira da Silva e o pernambucano Wilson de Souza Mendonça. De acordo com a Placar, esses árbitros tinham média de atuação em 17,4 partidas no Brasileirão de 96, enquanto os demais possuíam média de apenas 5,07 partidas. Márcio Rezende de Freitas, aliás, merece menção especial. Juiz de quatro finais de Brasileiro consecutivas, entre 93 e 96, Márcio apareceu em público com uma camiseta que era peça de campanha do dirigente que pleiteava um cargo como deputado federal. O ex-juiz também esteve no jantar de lançamento da candidatura de Ivens, em Belo Horizonte. Mesmo após as trapalhadas de Marcio Rezende na final do Brasileirão de 95, ele foi novamente convocado para a decisão de 96. E ainda disse: “Agradeço ao Ivens por confiar em mim”.

O caso, ao invés de apontar responsabilidades, cometeu novas injustiças. A Subcomissão da Cãmara Federal sequer concluiu os trabalhos e não apresentou nenhum relatório. Na Justiça Comum, nenhum processo foi adiante, pois as escutas telefônicas que incriminavam Ivens Mendes eram ilegais. Na Justiça Desportiva, apenas Ivens Mendes foi banido do futebol. Praticamente anônimo, morreu anos depois sem ter uma nota sequer publicada nos portais de notícias do país. O Atlético-PR recebeu uma suspensão de um ano, mas na prática, continuou participando normalmente das competições. O Furacão inciou o Brasileirão de 97 com – 5 pontos, enquanto a CBF decidiu cancelar o rebaixamento de Fluminense e Bragantino, as duas piores equipes do Brasileiro de 96. Petraglia foi banido do futebol e Dualib recebeu uma suspensão de 2 anos, mas logo, ambos voltaram a atuar ativamente em seus respectivos clubes.

A Conaf foi extinta e deu lugar a Comissão Nacional de Arbitragem, que foi comandada por Armando Marques, até o ano de 2005, quando foi afastado após a descoberta da Máfia do Apito.

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