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Especial Reportagem

Caso Bruxo do futebol paranaense

O biênio 2005/2006 foi bastante turbulento para o futebol mundial. Diversos casos de corrupção de grandes proporções foram deflagrados mundo afora, em especial em países de grande tradição no esporte, como Brasil, Alemanha e Itália. Com a atenção voltada aos fatos mais midiáticos, outros casos acabaram passando despercebido pela opinião pública.

Um deles é o Caso Bruxo, que assolou o futebol paranaense. Em meados de agosto de 2005, a Série Prata, a segunda divisão do futebol paranaense estava em sua reta final. No dia 28 de agosto, Silvio Gubert, dirigente do Operário, afirmou em reportagem da ESPN Brasil de que pessoas ligadas à Federação Paranaense de Futebol exigiam dinheiro em troca de favores nas partidas. Silvio não deu nomes, mas deu um apelido. Bruxo! “Um jogo desses, se não der dois paus, ele faz o jogo do outro (time). Isso na primeira fase. Na segunda fase é mais”.

Após o escândalo, o dirigente se defendeu em coletiva para a imprensa. “O que falei foram coisas da história do futebol paranaense. Não as que acontecem hoje. Foi tudo editado. Não vou pedir demissão do clube. Peço desculpas apenas por ter sido ingênuo e acreditado em pessoas sem credibilidade”. Mas em entrevista à Gazeta do Povo, o jornalista Ronaldo Kotscho, repórter da ESPN, reiterou a fala de Silvio. “Temos a fita bruta. Está claro que ele não falava do passado, ocorre agora neste campeonato. Inclusive no dia do jogo ele ia separar um agrado para a arbitragem”.

Dias depois, foi a vez do então árbitro Evandro Rogério Roman vir a público com novas denúncias, dando nomes aos “bruxos”. Onaireves Moura, então considerado “eterno” na presidência da FPF, declarou: “Pedi a todas as associações da Série Prata para que me passassem informações sobre esse tal de Bruxo, figura da qual jamais ninguém ouviu falar. Queremos saber a verdade. Quem garante tal existência, terá de se explicar. Nem que para isso cheguemos ao extremo de quebrar sigilo telefônico ou coisa do gênero”. Posteriormente, o árbitro José Francisco de Oliveira, o Cidão, famoso por ter confirmado um gol do Atlético-PR em que a bola foi pra fora, apontava uma forte ligação de Onaireves Moura com o caso, e acusou Johelson Pissaia, diretor da FPF, de ser o bruxo, o homem que recebia os envelopes de dinheiro entregue pelos dirigentes aos árbitros, e realizava o rateio dos valores.

No dia 10 de outubro de 2005, foram levados a julgamento no TJD: Amorety da Cruz (ex-árbitro); Antônio Carvalho (vice-presidente da Comissão de Arbitragem); Antônio Salazar Moreno (árbitro); Carlos Jack Magno (árbitro); Fernando Homann (ex-presidente da Comissão de Arbitragem); Genésio Camargo (ex-dirigente do Foz do Iguaçu); Gílson Pacheco (ex-dirigente do Marechal); Johelson Pissaia (diretor administrativo da FPF); José Francisco de Oliveira, o Cidão, (árbitro); Marcos Mafra (árbitro); Sandro da Rocha (árbitro); Sílvio Gubert (presidente do Conselho Deliberativo do Operário) e Valdir de Souza (presidente da Comissão de Arbitragem). Apenas os dirigentes das três equipes envolvidas e Cidão foram punidos.

Em 2006, em julgamento no Superior Tribunal de Justiça Desportiva, mais acusados foram condenados. O ex-árbitro Amorety Carlos da Cruz passou de absolvido no TJD-PR, a eliminado do futebol. Os ex-diretores de arbitragem Fernando Luiz Homann e Antônio Carvalho, absolvidos antes, pegaram dois anos de suspensão. O árbitro Antônio Oliveira Salazar Moreno e o ex-diretor da FPF Johelson Pissaia foram eliminados do futebol. O árbitro Sandro César da Rocha, eliminado no TJD-PR, foi absolvido. Tiveram a absolvição confirmada, o ex-árbitro Carlos Jack Rodrigues Magno e o ex-presidente da Comissão de Arbitragem Valdir de Souza. Além disso, foi definido o banimento do ex-árbitro José Francisco de Oliveira e dos ex-dirigentes Genézio de Camargo, Sílvio Gubert e Gílson Pacheco, foram mantidos. O árbitro Marcos Tadeu Silva Mafra foi punido com dois anos de suspensão.

Em conversa exclusiva com a reportagem, Marcos Mafra garante ser inocente. “Fui uma pessoa que colocaram no meio para ser derrubado e outra pessoa pegar meu lugar. Carreguei uma culpa que não tinha envolvimento, e nela perdi sonhos”. Perguntado sobre quem seria o tal “bruxo”, Marcos respondeu: “O bruxo todos sabiam quem era, tanto que não está mais na FPF. Mas isso é passado e não volta mais”.

Marcos prossegue, “eu e o Sandro (nota da redação: Sandro da Rocha, árbitro também acusado de envolvimento no caso) fomos pessoas envolvidas sem dever. Estávamos no auge da arbitragem, prestes a aspirante FIFA. Pra você ter ideia, fui acusado de receber um telefonema em um certo jogo do qual nem escalado ou no sorteio eu estava. Fui acusado de ter sido expulso da Federação Paranaense de Futsal, sendo que meu defensor foi o presidente da Associação dos Árbitros de Futsal. Tudo isso porque não quis entrar no joguinho sujo deles pra acusar pessoas inocentes e assim livrar o todo poderoso da Federação. Para tirar o foco do real bruxo, acabaram acusando árbitros inocentes. Quem pode mais, chora menos”.

Abafado pela Máfia do Apito, poucos se atentaram ao fato de que alguns dos árbitros citados no esquema a nível local, já haviam apitado jogos da Série B do Campeonato Brasileiro, que teve em seus quadros de arbitragem o juiz Paulo José Danelon, um dos pivôs do escândalo. Nenhum jogo da série B, diferentemente do que ocorreu na série A, foi anulado.

Delator do esquema no Paraná, Roman entrou para o quadro da FIFA em 2008 e também foi secretário de Esportes e Turismo do Estado do Paraná. “Ele me derrubou pra tomar meu lugar, me acusando de coisas que não fiz”, afirmou Mafra. Entramos em contato com a assessoria de Evandro Rogério Roman, deputado-federal eleito pelo PSD, que não respondeu nossas perguntas no prazo estabelecido.

Nota: esta reportagem foi publicada originalmente em 22 de novembro de 2015, no blog Escrevendo Futebol.

Atualização (29/07/2017): Quase dois anos após a redação desta matéria, nossa reportagem teve acesso a dois documentos entregues ao Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná.

O primeiro documento, é uma declaração simples da Associação dos Oficiais de Arbitragem de Futebol de Salão do Paraná (citada por Marcos Mafra na entrevista) sobre seu status na entidade na época.

O segundo documento obtido por nossa reportagem, é uma prévia defesa realizada pelo árbitro Marcos Mafra, indicando que seu afastamento da ASSOFUTSAL/PR foi motivada por decisão própria, e que ele não era árbitro em um dos jogos indicados por Evandro Rogério Roman.

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