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Allan Skill Cole, o jamaicano do Náutico e amigo íntimo de Bob Marley

Uma qualidade técnica que o tornava comparável a Pelé em seu país e uma amizade com o maior ícone da Jamaica faz de Allan ‘Skill’ Cole um personagem único na história do futebol. O jamaicano nascido em 14 de outubro de 1950 contribuiu com a composição de um dos grandes sucessos de Bob Marley, foi o mais novo jogador a servir a seleção nacional e ainda foi um pioneiro da América Central ao jogar em solo brasileiro, vestindo as cores do Náutico Capibaribe.

Allan era um prodígio. Mesmo atuando por equipes escolares, o habilidoso garoto foi ganhando prestígio. Em 1965, aos quinze anos, foi convocado para a seleção da Jamaica, para um jogo diante do Haiti. O recorde de jogador mais novo a atuar pela Jamaica ainda é seu. Cole também é um dos fundadores do Santos de Kingston, em óbvia referência ao clube brasileiro. Suas demonstrações de habilidade lhe renderam o apelido que se tornou um sobrenome: Skill.

Aos 18 anos, em 68, o atacante partiu para o efervescente futebol dos Estados Unidos, atuando pelo Atlanta Chiefs. Dois anos depois, ele retornou ao país de origem, onde era uma estrela.

A vinda ao Brasil

No segundo semestre de 1971, o Náutico realizou uma excursão pelo Caribe. A viagem ajudaria o clube pernambucano a quitar salários atrasados e era uma garantia de um início de ano mais tranquilo. Em um jogo na Jamaica, contra o Boys Town, uma confusão entre o atacante Cole e o zagueiro Ubirajara culminou na expulsão de ambos. A torcida, revoltada, exigiu o retorno do ídolo. Apesar do empate sem gols, o jogador jamaicano, então com 21 anos, chamou a atenção dos brasileiros.

O Diário da Manhã de 24 de novembro de 1971 anunciou: Náutico voltou da Jamaica e trouxe um “Pelé” de lá.

Logo em sua estreia, no dia 28 de novembro de 1971, em um amistoso diante do Sport, Cole marcou o gol alvirrubro no empate em 1 a 1. A passagem de Cole pelo Timbu por pouco não foi relâmpago. O jogador e a diretoria não se acertaram financeiramente e Cole acabou retornando à Jamaica. A boa primeira impressão deixada pelo atleta, no entanto, deixou os dirigentes e torcedores alvoroçados. Tempo depois, Cole enviou um telegrama ao clube afirmando querer voltar. Em fevereiro de 1972, o Náutico foi buscar Allan Cole, por meio do médico do clube, Omar Braga.

Foto: Jamaica Gleaner.com


De início, o atacante foi bastante utilizado, mas não conseguiu fazer o mesmo sucesso que fazia em sua terra natal. Em maio daquele ano, ele já acenava um desejo de deixar o Náutico, alegando ‘saudade da família’. No Campeonato Pernambucano (em que o Náutico terminou na terceira posição), não marcou gols. No Brasileirão daquele ano, de acordo com o banco de dados da Placar sobre a história do Brasileirão (71-2002). o atacante fez apenas três jogos e também não balançou as redes. Outro problema enfrentado pelo jogador foi a insistência para que ele cortasse o cabelo. O jogador chegou a afirmar que preferia parar de jogar futebol do que abdicar de seu estilo rastafári.

Segundo os arquivos do site Futebol 80, Cole marcou outros dois gols pelo Náutico, além daquele na estreia contra o Sport. Em 14 de maio de 1972, em um amistoso, Cole marcou o único gol do Timbu em um empate em 1 a 1 com o Central de Caruaru. Em 13 de agosto de 1972, Cole marcou um dos gols da goleada alvirrubra sobre o Ferroviário do Recife por 4 a 0, pelo Torneio Eraldo Gueiros, do qual o Náutico se sagrou campeão.

O jamaicano também chegou a (quase) vestir a camisa tricolor do rival recifense, em 1973. Após ser dispensado pelo Timbu, o atleta treinou pelo Santa Cruz antes de um amistoso contra o Argentinos Juniors, mas não seguiu no Arruda e retornou à Jamaica.

Em sua carreira, Cole atuou por diversas equipes jamaicanas além do Santos e do Boys Town: Vere Technical, Real Mona, Port Morant United, Arnett Gardens e Rockfort. Ele também teria uma passagem de três anos pelo futebol da Etiópia.

Em uma entrevista ao repórter Rômulo Alcoforado, para o GloboEsporte.com, Cole tratou com carinho sua passagem pelo Brasil. “Eu lembro de todos os meus amigos no Náutico, Barbosa Lima, o presidente, o doutor Omar Braga, Ademiro, o massagista. Meus colegas de time, Oscar, Marinho, Zé, Mário César, Ubirajara, Lula, Camutanga. Eu ainda lembro de muito desses caras e sempre penso neles, eram caras incríveis e eu amo eles. Eu amo o Náutico”, afirmou.

Reggae Power

Futebol e música é uma combinação inevitável. E na Jamaica, Cole se uniu a ninguém menos que Bob Marley. O atleta e o músico se tornaram grandes amigos. “Ele confiava em mim. Se eu dissesse que algo estava errado, ele me ouvia”, chegou a afirmar. Ambos passavam muito tempo juntos, principalmente praticando atividades físicas. Além disso, Cole contribuiu de maneira significativa para a carreira de Marley e é creditado como compositor de algumas músicas do cantor, incluindo a canção War, uma das mais populares de Marley. A música é inspirada no discurso de Haile Selassie, último imperador etíope, na Assembleia Geral da Liga das Nações, em 1936, em protesto aos ataques da Itália no país africano. Bem, pelo menos oficialmente. Diz-se que Marley costumava creditar amigos próximos como compositores de várias canções suas, devido a um problema contratual com uma editora. Na mesma reportagem do GE citada anteriormente, Cole contesta essa versão e reforça ser o autor desta e de outras canções.

Polêmicas

Na bela história de Cole, também houve espaço para polêmicas. Em 1976, chegou a ser acusado de ser o pivô do atentado que Bob Marley sofreu em sua casa, quando foi ferido a balas, assim como a esposa Rita e outras duas pessoas. O caso ocorreu em meio a um tenso cenário político, e mesmo ferido, Marley se apresentou dois dias depois em um show que reuniu os principais adversários políticos do país. Depois do atentado, o cantor foi morar em Londres. Apesar deste ponto enevoado da relação, o ex-jogador seguiu sendo amigo íntimo do cantor.

Mais recentemente, em 2007, o ex-jogador chegou a ser condenado em um caso de tráfico de drogas. Em 2002, policiais localizaram 149kg do produto prensado em sua residência. Apesar da fama relacionada à maconha que a Jamaica tem, o uso recreativo da droga é proibido no país caribenho, ainda que nesta década tenha havido uma política de descriminalização, com a liberação do uso medicinal e religioso da erva, por exemplo.

Allan Cole versus Pelé

Cole, o ‘Pelé da Jamaica’, teve a oportunidade de enfrentar o Rei do Futebol por duas vezes. Em 1971, o Santos brasileiro enfrentou a seleção jamaicana, em Kingston. Empate em 1 a 1. O gol santista foi marcado por Edu, enquanto Cole marcou o gol do time local. Em 1975, foi a vez do Santos jamaicano receber o Cosmos, e desta vez, vitória da equipe de Cole pelo placar mínimo.

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