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A curta e vitoriosa carreira de Luis Fernando Montoya, a mente por trás do Once Caldas-2004

No dia 26 de setembro de 2017, a CONMEBOL, em raro gesto, aproveitou o lançamento de uma Escola de Técnicos e Treinadores de Futebol da entidade para homenagear Luis Fernando Montoya, lhe entregando uma réplica da Taça Libertadores da América, conquistada pelo colombiano como técnico do Once Caldas, o campeão mais surpreendente de toda a história da competição. Montoya teve sua carreira como treinador interrompida por dois tiros que o deixaram tetraplégico, em dezembro de 2004, dias depois de ter disputado o Mundial Interclubes. Apesar de estar há treze anos longe dos gramados, Montoya segue sendo uma das figuras esportivas mais queridas da Colômbia.

Luis Fernando Montoya nasceu em 23 de julho de 1961 em Caldas, cidade do departamento de Antióquia, na região metropolitana de Medellín. Curiosamente, a cidade natal de Montoya nada tem a ver com o Once Caldas, de Manizales (do departamento de Caldas). Apaixonado por futebol desde cedo, Montoya decidiu, ao terminar o ensino médio, iniciar a faculdade de Educação Física, mesmo contra a vontade do pai, que detestava o esporte. A relação de pai e filho estremeceu. Sem o apoio financeiro da família, Montoya passou a trabalhar em um depósito de uma loja de material de construções para custear os estudos em Medellín, descarregando as centenas de sacos de cimento que chegavam. Depois tornou-se empacotador, mas sempre com a ideia fixa de se tornar um treinador de futebol. De início, no fim da década de 80, dirigiu seleções antioquenses e posteriormente entrou nas categorias de base do Atlético Nacional, maior equipe do país. Depois do sucesso nas categorias inferiores, Montoya foi efetivado técnico da equipe principal em 2001.

Os Verdolaga não fizeram uma boa temporada, terminando em 9º no campeonato nacional, fora da zona de classificação para a fase final. No ano seguinte, pelo Apertura, Montoya recuperou o Nacional e o levou ao vice-campeonato, sendo derrotado na final pelo América de Cali. No segundo semestre de 2002, a equipe não conseguiu manter o desempenho e foi apenas oitavo colocado. Após esta competição, Montoya foi contratado pelo Once Caldas, clube de Manizales. A equipe possui duas datas de fundação, e apesar de tradicional, seu único título nacional datava de 1950, ainda sob o nome de Deportes Caldas, antes da refundação em 1961. Mas sob a batuta de Montoya, tudo mudou para os blancos. No Apertura de 2003, o Once Caldas liderou todas as fases, perdeu apenas três partidas durante a campanha e faturou o título em uma dura final contra o Junior Barranquilla. Vitória por 1 a 0, gol do experiente Sérgio Galván, jogador que se tornaria o maior artilheiro da história do clube e também do futebol colombiano. Ali, Montoya já construiu uma base para a equipe que se tornaria a maior zebra da América do Sul, comandada dentro de campo pelo goleiro Henao, por John Viáfara, zagueiro que passou a jogar de volante com Montoya e o artilheiro Valentierra. O mais interessante é que o Once Caldas marcou 41 gols em 26 jogos, mostrando um ímpeto ofensivo que seria relegado a um segundo plano no torneio continental.

Com o título e a classificação para a Libertadores do ano seguinte, o Finalización 2003 foi muito abaixo, com a equipe terminando na 14ª posição, apenas um ponto acima do rebaixado Centauros Villavicencio. Já em 2004, o Once Caldas entrou na competição sob alguma desconfiança. Os blancos ficaram no grupo 2, junto a Maracaibo-VEN, Fénix-URU e Vélez Sarsfield-ARG. Qualquer dúvida sobre a equipe, porém, sumiu logo na primeira fase. Vencendo todas as suas partidas em casa e sendo derrotado apenas uma vez, na Argentina, contra o Vélez, o Once Caldas passou de fase na primeira colocação, já deixando claro que o caldeirão de Palogrande seria um dos trunfos da equipe colombiana.

Nas oitavas-de-final, o Once Caldas enfrentou o Barcelona. Depois de um 0 a 0 em Guayaquil, a decisão em Manizales também se encaminhava para um empate sem gols, quando aos 31 minutos, Gavica marcou um bonito gol colocando os visitantes na frente. Vale lembrar que naquela edição, a regra do gol qualificado não foi utilizada. Aos 38 minutos, Agudelo, de letra, empatou o jogo e levou para os pênaltis a definição do classificado. Enquanto o Once Caldas converteu as quatro cobranças, Ayoví parou na trave e Chatruc parou em Henao, que apesar de baixinho e presepeiro (o estereótipo perfeito do goleiro sul-americano), brilhou como nunca naquela edição do torneio continental.

Nas quartas-de-final, a campanha do time colombiano começou a ganhar contornos épicos. O adversário da vez era o Santos, de Vanderlei Luxemburgo. Na ida, na Vila Belmiro, o roteiro se desenhou parecido com o jogo da volta das oitavas. Basílio abriu o placar para o adversário colombiano aos 38 do segundo tempo. Mas aos 43, Valentierra aproveitou falha defensiva para empatar a partida. Na volta, novamente a força de Palogrande fez diferença. O Santos até que tentou exercer pressão, mas foi o Once Caldas quem chegou ao gol. Aos 25 do segundo tempo, Valentierra marcou um golaço de falta. No fim do jogo, a retranca colombiana foi o suficiente para segurar o resultado.

O Once Caldas chegou nas semifinais sendo tratado como zebra, e diante do São Paulo, nas semifinais, a alcunha ganhou ainda mais força. Na ida, no Morumbi, o time de Montoya realizou uma retranca poderosa – podendo ser comparada ao park the bus, do português José Mourinho. O 0 a 0 permitiu ao Once Caldas, mais uma vez, decidir em casa com a vantagem de uma vitória simples. Alcázar abriu o placar ainda na primeira etapa, Danilo empatou para o Tricolor paulista. E quando o técnico Cuca já preparava a escolha dos batedores de penalidades, Agudelo, um pouco à frente da linha de impedimento, marcou o gol da vitória na casa dos 45 minutos. O Once Caldas estava na final e iria enfrentar ninguém menos do que o atual campeão da América, o Boca Juniors, que havia acabado de eliminar o River Plate. “Havíamos sido campeões nacionais em 2003, mas não esperávamos uma campanha tão estupenda. Apesar de termos vencido campeões como o Vélez (na 1ª fase) e o Santos (nas quartas), só fomos nos dar conta de que podíamos vencer a qualquer um quando eliminamos o São Paulo nas semifinais. Por isso enfrentamos o Boca sem complexos”, disse Montoya em entrevista à FIFA, em 2014.

Na final, mais uma vez o Once Caldas decidiria em casa. Na ida, na Bombonera, empate em 0 a 0. Em Manizales, logo aos 7 minutos, John Viáfara abriu o placar com um golaço de fora da área, mas Burdisso empatou na segunda etapa. Nas penalidades, o time colombiano perdeu duas das quatro cobranças, mas não era dia do Boca Juniors, que não acertou nenhuma cobrança. Aos 42 anos, e com apenas três anos de carreira, Luis Fernando Montoya conquistava a América. Era a maior surpresa da história da Libertadores.

O título continental deu o direito ao clube colombiano de disputar a Copa Intercontinental, o último Mundial de Clubes sem a chancela da FIFA. Coincidentemente, o Once Caldas enfrentaria um time que também teve uma campanha surpreendente na Liga dos Campeões: o gigante português Porto. No final do ano, em 12 de dezembro, Montoya armou o time da mesma maneira que vinha jogando na Libertadores. Assim, a posse de bola ficou mais com o Porto, e o Once Caldas tentava surpreender em ataques rápidos. Mais uma vez naquele ano, placar fechado e decisão por pênaltis. Foram 18 cobranças. Maniche perdeu a quarta penalidade do time português e Fabbro teve a chance de colocar o Once Caldas no topo do mundo, mas mandou a bola na trave. Na sequência das alternadas, Edwin García desperdiçou sua cobrança e Pedro Emanuel fechou a série em favor do Porto. A derrota que Montoya teve naqueles mais de 120 minutos, porém, não seria tão dura quanto o que aconteceria dez dias depois.

No dia 22 de dezembro de 2004, durante um assalto a sua residência, Montoya, no impulso de defender sua esposa, Adriana, foi alvejado com três tiros. O então treinador teve a coluna vertebral atingida e não morreu por pouco. Para quem havia feito o impossível meses antes, sobreviver, talvez, fosse apenas uma questão de fé. Diagnosticado com tetraplegia, e ainda que os prognósticos dados pelos médicos fossem desanimadores, Montoya venceu obstáculos, e apesar das dificuldades que sua condição lhe impõem, o ex-treinador vive uma vida normal, sem depender de aparelhos, na mesma casa onde sua vida teve o caminho desviado das glórias esportivas. Em entrevista ao Terra, em fevereiro de 2015. Montoya falou sobre suas ambições antes da tragédia.  “Sempre sonhei primeiro em ganhar a Copa Libertadores. Depois disso, pensava em ir para a Europa ou algum país da América do Sul, como Argentina ou Brasil, que me chamavam muito a atenção. Queria aprender mais, atualizar meus conceitos, valorizar tudo que fiz, para então ter as condições de assumir mais tarde uma seleção colombiana. Era um plano que tinha”. Em todos estes momentos, Adriana sempre esteve a seu lado, cuidando de Montoya e do pequeno José Fernando, que na época do atentado tinha apenas três anos. Montoya e Adriana se casaram em 1998. Mais do que votos protocolares, a frase “até que a morte os separe” foi levada à risca por Adriana.

A popularidade de Montoya, eleito o melhor treinador da América em 2004 pelo jornal uruguaio El País, ultrapassa os feitos no campo e não à toa recebeu o apelido de “Campeón de la vida”. Desde 2007, é colunista do jornal El Espectador, um dos principais diários colombianos. Na coluna da última semana agradeceu as homenagens e deixou um recado sobre seu estado de saúde. “Gostaria de compartilhar que me encontro bem de saúde, com vida para ver meu filho crescer, estável e produtivo. Sem dúvida, este reconhecimento me fortalece muito para seguir adiante em meu processo de recuperação”. Em suas colunas semanais, o ex-treinador sempre inicia com uma frase de efeito de alguma personalidade. Dessa vez, recorreu à Vince Lombardi, primeiro treinador a conquistar o SuperBowl e famoso frasista. “A medida de quem somos é o que fazemos com o que temos”. Uma frase que cai como uma luva a Montoya, alguém que tirou o máximo de uma equipe considerada limitada e eternizou seu nome na história do futebol.


Texto publicado originalmente em 4 de outubro de 2017, no blog Escrevendo Futebol.

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