O trabalho de um goleiro é evitar gols. Sofrê-los, porém, também faz parte da rotina desse profissional do mundo da bola. Mas ter orgulho de levar um gol é coisa rara entre os guarda-redes. Imagine, então, que um lance em que o atleta foi vencido pelo chute de um atacante seja o ápice da carreira de um goleiro. Pois esse é o grande feito da vida de Zaluar Torres Rodrigues, o goleiro responsável por ser a primeira vítima dos mais de 1000 gols de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Sergipano de Propriá, passou por várias equipes, entre elas o Esporte Clube Bahia, antes de se estabelecer em Santo André, região metropolitana de São Paulo.
O fato que o colocou em evidência aconteceu em 7 de setembro de 1956, dia da Independência e a partida entre o Corinthians de Santo André e Santos foi promovida pela prefeitura local por meio da Secretaria de Educação e Cultura como parte das comemorações da data, e foi realizado com portões abertos. O palco do jogo, apitado por Abílio Ramos, foi o Estádio Américo Guazzelli. O time santista venceu aquele jogo por 7 a 1.

Zaluar nem titular era naquele momento. Apesar de ter fardado a camisa 1 durante um bom tempo e se destacado na posição, era reserva de Antoninho no modesto Corinthians. No intervalo, já com o placar apontando uma goleada de 4 a 0 para o Santos, o rechonchudo arqueiro assumiu a posição para tentar evitar um resultado ainda mais elástico. Durante a segunda etapa, o técnico Lula, do Alvinegro Praiano, também mudou. Saiu Del Vecchio, que já havia marcado duas vezes, e entrou Pelé, um garoto negro e magricelo de apenas 15 anos.
Versões de como foi o gol de Pelé são muitas. Algumas dizem que Pelé ficou com a sobra de uma disputa pelo alto vencida por Hélvio, avançou driblando e marcou. Outra versão aponta para uma tabela entre Tite e Raimundinho, que terminou em lançamento para Pelé finalizar. De acordo com o site Paixão Canarinha, Zaluar, em entrevista realizada no ano de 72, descreveu assim o lance:
“Eu tinha condições de defender aquela bola. Quando o Jair lançou o guri, gritei para o Mario (zagueiro) fazer a cobertura. Ele levou um chapéu e num segundo o Pelé estava diante de mim. Poderia ter entrado duro mas não tive coragem ao ver aquelas canelas finas do garoto. Pelé balançou o corpo para a direita e depois para a esquerda e quando eu dei por mim, ele já tinha tocado a bola no meio de minhas pernas!
Ficha Técnica
Corinthians de Santo André 1×7 Santos
Data: 7 de setembro de 1956
Local: Estádio Américo Guazelli (Santo André-SP)
Juiz: Abílio Ramos
Corinthians F. C. de Santo André: Antoninho (Zaluar), Bugre (Mario) e Chicão (Dati); Mendes, Zito e Tonico; Vilmar, Cica e Teleco (Odilio); Rubens e Doré. Técnico: Jaú.
Santos: Manga, Hélvio e Ivan (Cássio); Ramiro (Fioti), Urubatão e Zito (Feijó); Alfredinho, Alvaro (Raimundinho) e Del Vecchio (Pelé); Jair e Tite. Técnico: Lula.
Gols: Alfredinho aos 28, Álvaro aos 30, Del Vecchio aos 34 e Alfredinho aos 41 do 1º T, Del Vecchio aos 15, Pelé aos 34, Wilmar (Corinthians) aos 41 e Jair aos 44 do 2º T.
Mas a tristeza de tomar um gol por debaixo das pernas se tornou alegria alguns anos depois, quando Zaluar percebeu a importância daquele fato do qual foi personagem direto. O fiscal de vendas da Prefeitura de Santo André se preocupava em mostrar a todos quem era, afinal, dessa maneira, estaria para sempre nos livros de história do futebol. Seu cartão profissional apontava: “Goleiro 1º gol Pelé (07/09/1956)”. Enviava cartas para a Revista Placar pedindo para mostrar sua foto, sua história e claro, divulgar seu endereço para quem quisesse se corresponder com ele. Zaluar morava na Av. Dom Pedro II, 1591, conjunto 4. Nas partidas de veteranos do Aramaçan, de Santo André, usava o uniforme abaixo:
Zaluar se sentia tão feliz do “feito”, que em 1969 presenteou Pelé com um troféu com a seguinte inscrição:
“A Edson Arantes do Nascimento ‘Pelé’ – Este troféu é a homenagem que presto ao maior jogador de futebol do Mundo como lembrança de uma jornada histórica, na qual tive a honra de ser o primeiro goleiro a ser vencido pela sua extraordinária habilidade. 8 de novembro de 1969. Zaluar Torres Rodrigues”.
Orgulhoso de seu posto na história do futebol, Zaluar faleceu em 1995, aos 69 anos, de insuficiência cardíaca. Curioso notar que apesar do esforço de Zaluar em ser lembrado, há quase nada registrado sobre sua vida, seja dentro ou fora das quatro linhas. Entretanto, assim como tantos outros nomes, Zaluar sempre será lembrado, e em uma das mais belas e importantes páginas da história do futebol: a vida e obra de Pelé.