O Bahrein é uma pequena ilha no Golfo Pérsico, sendo o terceiro menor território do continente asiático. Tendo um dos melhores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região graças a exploração do petróleo, o país é uma monarquia constitucional de maioria sunita. A família real Al Khalifa está no comando do emirado desde o século XVIII, e atualmente tem no emir Hamad bin Isa Al-Khalifa o seu líder máximo, no cargo desde 20002.
Embora tenha realizado reformas políticas importantes no reino, como a concessão dos votos à mulheres, o emirado é constantemente alvo de denúncias por parte de entidades defensoras dos direitos humanos. De acordo com a Freedom House, o governo sunita eliminou direitos políticos, persegue opositores e reprime dissidentes, especialmente os de origem xiita, minoria no país, de cerca de 1 milhão de habitantes.
Recentemente, Hamad Al Khalifa articulou a dissolução do Al Weqaf, principal grupo de oposição e retirou a cidadania de Isa Qassim, principal líder xiita do país, além de realizar julgamentos de civis em tribunais militares e perseguir ativistas dos direitos humanos. Um dos casos mais destacados é o de Nabeel Rajab, condenado a 5 anos de prisão em 2018 por publicar tweets em que criticava a atuação no Iêmen da coligação liderada pela Arábia Saudita e também a tortura de prisioneiros no Bahrein.
Como em toda monarquia, o governo possui seus tentáculos em todas as áreas da sociedade. No futebol, não seria diferente, e a entidade que rege o futebol local também tem em suas lideranças membros da família real. E é aqui que a história de Hakeem Al-Araibi começa. Jogador de futebol, Hakeem, hoje com 25 anos, participou dos movimentos populares realizados em 2011 (em decorrência da Primavera Árabe) e fortemente reprimidos pelo governo local. Diversos atletas participaram destas ações e foram perseguidos, de acordo com Hakeem. Preso e torturado, foi condenado em 2014 por um suposto vandalismo contra um posto policial.
Hakeem conseguiu fugir para a Austrália, onde recebeu asilo político e foi a público para acusar a federação de não proteger os atletas do país barenita. Acusou nominalmente o sheik Salman Al Khalifa, atual presidente da Confederação Asiática de Futebol e antigo mandatário do futebol do Bahrein. Na Oceania, voltou a praticar o futebol e passou por algumas equipes regionais: Green Gully, Goulburn Valley Suns, Preston Lions e Pascoe Vale. Em novembro de 2018, Hakeem e sua esposa decidiram fazer uma viagem para a Tailândia. Porém, ao chegar no país do sudeste asiático, Hakeem foi detido pela Interpol, que aceitou um pedido do governo do Bahrein, ainda que o atleta fosse um refugiado político, contrariando o regulamento da própria polícia internacional. Vale notar que a Tailândia, apesar de um país étnico e culturalmente bem diferente do Bahrein, possui o mesmo regime político e há constantes interações diplomáticas e econômicas entre as duas nações.
Não por acaso, a Tailândia é pivô em outro caso similar. Rahaf Mohammed al-Qunun, uma garota de apenas 18 anos, foi detida no país após fugir da Arábia Saudita com destino para a mesma Austrália em que Hakeem buscou refúgio. Rahaf fugiu de sua família quando estavam em viagem para o Kuwait. Ela teme ser morta por ter renunciado ao Islã. A pena de morte é uma das punições previstas na Sharia, a lei islâmica.
Da prisão, Hakeem se pronunciou ao The Guardian. “Eu sou um refugiado na Austrália. Eu estou com medo do governo do Bahrein. Eles vão me matar. Eu não sei o que vai acontecer aqui. Minha vida vai acabar se eu for para o Bahrein”. A FIFA, através de sua secretária geral Fatma Samoura, encaminhou um comunicado ao primeiro-ministro tailandês em defesa do jogador. Embora a situação de Hakeem seja delicada, e o temor seja evidente, há expectativa de que o caso do jogador possa ter um final similar ao de Rahaf, que deve conseguir em breve asilo no Canadá. Enquanto isso, Hakeem sofre com sua condição. “Nós viemos para a Tailândia para passar algumas semanas de felicidade, mas me arrependo agora. Gostaria de nunca ter deixado a Austrália”.