As mascotes são parte primordial das grandes competições esportivas, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, ajudando a atrair ainda mais o público infantil, formando uma identidade que marca a memória afetiva das pessoas e sendo mais uma forma de capitalizar o evento. Nos Mundiais, a primeira vez de uma mascote aconteceu em 1966, na Inglaterra, com o simpático leãozinho Willie. De lá para cá, com raras exceções, os bichinhos foram um sucesso. Mas há um deles que acabou deixado de lado pela própria organização do Mundial e foi esquecido pela FIFA com o passar dos anos.
Em 1970, a Copa aconteceria no México, país que havia sediado os Jogos Olímpicos dois anos antes, no mesmo ano em que o movimento estudantil da Cidade do México entrou em ebulição. Sob o comando do Partido Revolucionário Institucional, um partido originalmente de esquerda e membro da Internacional Socialista e que atravessou as raias do espectro político tornando-se um partido de direita, neoliberal e com forte repressão em um período que as ditaduras militares dominavam a América Latina, o México vivia uma “ditadura democrática”. No poder desde 1929 (sob outras denominações), o PRI aparelhou o estado e raramente suas decisões tinham oposição. Com a eleição de Gustavo Díaz Ordaz, em 1964, o PRI realizou de forma extrema sua guinada à direita.
Embora tendo um governo civil, o exército e a polícia do país eram utilizados regularmente para reprimir a população e os opositores, ainda que diante da comunidade internacional o governo mexicano sempre tenha negado qualquer tipo de abuso contra os direitos humanos. A FIFA elegeu o México como país-sede em outubro de 64, quando Ordaz ainda era secretário de governo. E foi nesse clima de hostilidade que uma queda de braço ocorreu entre dois mascotes.

Um dos autores da identidade visual dos Jogos Olímpicos de 68 foi o designer estadunidense Lance Wyman, um dos mais destacados de sua área. Com o sucesso do trabalho realizado, também foi escolhido para fazer parte da equipe que criou a identidade do Mundial de 70, incluindo a criação do mascote Pico. Moderno e ao mesmo tempo simples, Pico era uma águia – ave símbolo do México – que nascia de dentro de uma bola e vestia um uniforme da seleção mexicana, mas que poderia estar vestido com algum traje típico dos países participantes.
Com o trabalho aprovado, muita coisa foi produzida em torno da imagem de Pico. Em paralelo, Fernando González, o Fernandón, presidente do Atlante e dono de uma agência de publicidade deu a Juan González Martinez a tarefa de criar uma alternativa. Assim nasceu Juanito, um garoto gordinho de onze anos, com a camisa do México e o tradicional e estereotipado sombrero. O desenho foi então apresentado a Guillermo Cañedo, presidente da Federação Mexicana de Futebol e também do Comitê Organizador da Copa. Ainda que causasse polêmica em torno da imagem caricata, Juanito passou a ser inserido nas transmissões do Mundial e é até hoje considerado o mascote oficial do Mundial de 1970. Em entrevista por e-mail ao Maracanazo, Lance Wyman, hoje com 82 anos, nos enviou algumas imagens mostrando que, apesar disso, Pico teve boa recepção da crítica e foi amplamente utilizado na decoração de lugares públicos, como o metrô da Cidade do México e em produtos licenciados.

Perguntado sobre o que achava de Juanito, Lance se limitou a dizer que era um fã de Pico. De acordo com Lance, a identidade visual da Copa do Mundo de 70 não teve uma uniformidade, o que pode ter feito com que apenas Juanito passasse a ser considerado o mascote oficial. “Os gráficos da Copa não eram tão bem organizados quanto o das Olimpíadas. Os gráficos não estavam sob um único plano. De minha parte, eu não queria usar as mesmas fontes do meu logotipo olímpico de México ’68. Eu desenvolvi uma fonte e um logotipo para 70 baseado na geometria da recém-introduzida bola da FIFA (Telstar). O logotipo olímpico acabou sendo utilizado”, disse Lance.

Durante aquele Mundial, considerado por muitos como um dos de maior nível técnico da história, o Brasil consagrou de vez o futebol brasileiro e solidificou a lenda de Pelé. “Eu estava no Azteca e pude ver o mágico time brasileiro”, escreveu Lance, que lembrou com nostalgia a marca que deixou em um dos mais icônicos Mundiais já realizados. “Foi divertido encontrar todas essas imagens”.