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Alfred Schaffer, o Rei do Futebol húngaro

Alfred Schaffer é um daqueles nomes que, apesar dos grandes feitos na carreira, acabaram esquecidos pelo distanciamento do tempo. Nasceu em Bratislava em 24 de agosto de 1893. Na época, Bratislava, hoje capital da Eslováquia, fazia parte do Império Austro-Húngaro, e tinha o nome de Poszony. Recordista como jogador e com feitos importantes como técnico, está gravado na história do futebol húngaro e da Roma, uma das mais tradicionais equipes do futebol italiano. Exímio finalizador, foi um dos grandes atacantes do início do século XX, e fez parte de lendárias equipes como o MTK Budapeste do final da década de 10, o Nurenberg do início da década de 20, que chegou a alcançar a marca de 104 jogos de invencibilidade e o Sparta Praga, durante um dos períodos mais vitoriosos do clube. Também foi um dos primeiros jogadores profissionais do futebol europeu.

Entre 1915 e 1919, atuou 15 vezes pela seleção da Hungria, e marcou 17 gols. Curiosamente, 16 destes jogos foram contra a vizinha Áustria. O outro adversário foi a Suíça. Lembrando que nessa época as competições entre seleções eram quase uma utopia. No biênio 1918 e 1919, Schaffer foi o maior goleador do planeta, com 42 e 41 gols, respectivamente, vestindo a camisa do MTK Budapeste, de acordo com dados da RSSSF. Também segundo a RSSSF, Schaffer possui o recorde de jogador europeu que mais equipes defendeu na carreira. Entre 1910 e 1925, o atacante vestiu a camisa de 21 clubes. Lembrando que no mundo, Túlio Maravilha é o recordista, com 34 clubes entre 1987 e 2014. 

O período em que passou em cada clube é nebuloso, mas os seguintes clubes constam na carreira de Schaffer: Tussen 1908-HUN, Typographia-HUN, Lipotvaros-HUN, Ferencváros-HUN, Budapesti Torna-HUN, KAOE-HUN, Fováresi-HUN, FSK-HUN, Terézvárosi-HUN, Tatabányai-HUN, Budapesti AK-HUN, MTK Budapeste-HUN, Nurenberg-ALE, Wacker Munchen-ALE, Eintracht Frankfurt-ALE, Hamburgo-ALE, Bayern de Munique-ALE, Basel-SUI, Sparta Praga-TCH, Wiener Amateur-AUT e New York Giants-EUA.

Em sua primeira passagem pela equipe do MTK Budapeste entre 1914 e 1919, faturou três campeonatos nacionais (1917, 1918 e 1919). Com isso, a direção resolver fazer um agrado para manter o jogador, alugando um imóvel para que Schaffer abrisse um negócio. O atacante sequer abriu as portas do local. Questionado, Schaffer foi incisivo:

“Vocês querem que eu seja um jogador ou um empresário? Por favor, sou um jogador de futebol. O que eu faria com uma loja? Eu devo estar no campo de futebol todos os dias”.

Mesmo sendo um ídolo, Schaffer decidiu seguir carreira fora do país. No Nurenberg, foi campeão alemão na temporada 20-21 e suas atuações lhe rendeu uma alcunha usada para definir poucos jogadores: Der Fussballkönig, em bom português, Rei do Futebol. E mesmo em uma época amadora e que proibia o pagamento de soldo aos jogadores, Schaffer deixou o clube por não entrar em acordo financeiro com a direção, que pagava por seus serviços clandestinamente. Dali, partiu para jogar no suíço Basel.

Ciente de sua qualidade, Schaffer passou a pular de clube em clube, sempre em busca de um lugar que o pagasse para jogar futebol. No Basel, recebeu a proposta de ficar com parte da renda dos jogos. Aceitou prontamente, principalmente sabendo que ele mesmo era um dos motivos que faziam os torcedores irem ao estádio. Arrependidos, os diretores tentaram reverter a situação. “Daqui a pouco você vai ganhar mais do que o presidente suíço!”. Irônico, Schaffer rebateu: “Você pode eleger um novo presidente uma vez ou outra. Um novo Rei do Futebol você não vai encontrar tão cedo”.

Posteriormente, acertou com o Wacker Munchen, da Alemanha. Mas a DFB, a Federação Alemã, impediu que Schaffer jogasse, alegando que se tratava de um profissional, negando seu registro. Impedido de entrar em campo, passou a trabalhar na comissão técnica. Mas por pouco tempo. O clube resolveu tentar uma manobra para enganar a federação local: casar Schaffer com a irmã do goleiro Alfred Bernstein, a bela e jovem Olga. A questão é que Olga não existia. Com o casamento forjado, Schaffer teve a autorização para continuar vivendo na Alemanha, e por consequência, foi aceito de volta ao futebol alemão. Com Schaffer em campo, o Wacker venceu o campeonato regional do sul da Alemanha, e chegou nas semifinais do campeonato nacional. Em sua segunda passagem pelo MTK, venceu outro campeonato húngaro e uma Copa da Hungria (ambos na temporada 1922-23). Pelo Sparta Praga, onde também teve duas passagens, venceu dois campeonatos tchecoeslovacos (1922 e 26).

No Wiener Amateur, da Áustria, teve uma nova ideia para ganhar dinheiro. Apostava com torcedores que iria marcar o gol da vitória. E fazia. Foi campeão austríaco (1923-24) e faturou duas copas nacionais (1924 e 1925). Anos depois, o clube mudou de nome e se transformou no Austria Vienna. O clube decidiu então convidar Schaffer para ser seu treinador. E recebeu a resposta: “Voltarei a ser mil vezes feliz. Salário de 2 mil mensais”. Mas dessa vez foi Schaffer que recebeu uma resposta inesperada. “Venha e seja feliz duas mil vezes. Salário de 1 mil mensais”. Convite aceito.

Após se aposentar como jogador, o húngaro passou a ser treinador, algo que já havia feito enquanto atuava, como no Wiener Amateur e no Sparta. E teve como inspiração um de seus principais comandantes, o inglês Jimmy Hogan, que foi também um dos criadores da escola húngara de futebol. Na temporada 33-34, voltou a Nurenberg e chegou na final da Tschammer Pokal, predecessora da DFB Pokal, a atual Copa da Alemanha. 

Voltou a Budapeste para comandar o MTK e conquistou mais dois campeonatos húngaros (1936 e 1937). Em 1938, por muito pouco, Schaffer não se sagrou campeão mundial. Era o técnico da Hungria, uma das favoritas para a Copa do Mundo disputada na França, que tinha como grandes expoentes os atacantes Zsengeller e Sarosi, dois dos maiores jogadores do mundo na década de 30. Em formato eliminatório, a Hungria passou com tranquilidade por seus adversários. Na estreia, goleou as Índias Holandesas (atual Indonésia) por 6 a 0. Nas quartas-de-final, vitória por 2 a 0 pra cima da Suíça. Nas semifinais recebeu a boa seleção da Suécia, que havia entrado diretamente nas quartas-de-final, devido a saída da Áustria, então recém-anexada pela Alemanha nazista. O time magyar foi impiedoso, e apesar de ter saído atrás no placar, marcou 5 gols, com destaque para Zsengeller, que assinalou um hat-trick e só não balançou as redes na final, totalizando 6 gols na competição, atrás apenas do brasileiro Leônidas da Silva. Na decisão, a Hungria de Schaffer enfrentou a atual campeã e ainda mais favorita Itália. Sob os olhares do Duce Benito Mussollini, a Azzurra venceu por 4 a 2, e consagrou Vittorio Pozzo como primeiro bicampeão da história das Copas. 

Depois de comandar a seleção húngara, levou o título da Copa da Romênia pelo Rapid Bucareste, na temporada de 1939-40. No dia 12 de maio de 1940, na 27ª rodada do campeonato italiano, Schaffer assume o comando técnico da Roma, substituindo o italiano Guido Ara e termina na 7ª posição. Na temporada seguinte a situação não melhora e a equipe fica na décima posição. De positivo, apenas as atuações de Amedeo Amadei, autor de 18 gols, atrás apenas de Ettore Puricelli, do Bologna. Apesar disso, Schaffer teve a confiança da direção para se manter no cargo. No final de 41, foram realizados os primeiros bombardeios no norte da Itália. O avanço da Segunda Guerra Mundial fez com que muitos jogadores tivessem que deixar suas equipes, suas famílias e suas vidas, para ir a combate. 

La Mia Roma

Na temporada 41-42, a Roma fez grande campanha, e brigou pelo título rodada a rodada com o Torino. Mais uma vez o destaque do time de Schaffer era Amadei, que repetiu a dose do ano anterior e assinalou 18 gols. Na rodada final, o Torino perdeu para a Fiorentina por 2 a 1, e a Roma, que com o resultado da equipe de Turim poderia até perder, venceu o Modena por 2 a 0. Esse foi o primeiro scudetto dos giallorossi, que só voltariam a conquistar o título outras duas vezes: em 82-83, com Paulo Roberto Falcão, o Rei de Roma na meia cancha, e em 2000-01, já com o ídolo Francesco Totti. No início da nova temporada, Schaffer não conseguiu extrair do time o mesmo futebol, e após alguns resultados ruins, deixou a capital italiana em dezembro de 42.

Seu último título como treinador foi no Ferencváros, em que ganhou a Copa da Hungria da temporada 1943-44. Ainda chegou a treinar a equipe do Bayern de Munique. Fontes indicam que Schaffer fosse judeu, mas não é uma informação confirmada.

No dia 30 de agosto de 1945, ainda em meio aos distúrbios da Grande Guerra, o corpo de Schaffer foi encontrado em um trem na cidade alemã de Prien. A causa de sua morte não foi determinada, mas acredita-se que um ataque cardíaco tenha ceifado a vida de um dos grandes nomes do futebol da primeira metade do século XX. Um craque como jogador e uma lenda como treinador.



Texto publicado originalmente em 14 de novembro de 2015, no blog Escrevendo Futebol.

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