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O triste descanso de Jean-Pierre Adams

“Está tudo bem! Estou ótimo! Pense em mim e volte daqui oito dias. E não se esqueça de um par de muletas.” Estas foram as últimas palavras de Jean-Pierre Adams, no dia 17 de março de 1982, antes de entrar na sala de cirurgia de um hospital em Lyon, para um procedimento em seus ligamentos do joelho. A partir de então, graças a uma anestesia mal aplicada, Adams jamais voltou a acordar. Mas antes de explicar melhor essa triste história, irei contar um pouco mais sobre a vida e a carreira de uns dos principais jogadores franceses no início da década de 70.

Nascido no Senegal, Adams teve uma infância muito pobre como a da grande maioria de seus conterrâneos, sendo criado por sua avó. Quando tinha 8 anos, em 1956, foi levado para a França, em um orfanato de Montargis, pequena cidade da região central francesa. Logo foi adotado por um casal local. Sempre mostrando aptidão para o esporte, o encorpado jovem fez parte de alguns clubes amadores em sua juventude, como o US Cepoy, o CD Bellegarde e o USM Montargis. Em 1967, entra para o time amador do Racing Club de Fontainebleau. Nos dois anos seguintes, é vice-campeão amador da França, mas ainda jogando como atacante. Uma dessas finais foi televisionada, e Kader Firoud, então ex-técnico do Nimes, se impressionou com o porte físico do franco-senegalês.

Em 1969, Firoud volta a comandar o Nimes e quase de imediato, busca contratar aquele garoto que o impressionara. Porém, o argelino erradicado francês transforma Adams em volante e o ajuda a aprimorar-se em todos os aspectos. “Kader Firoud é o homem a quem devo tudo. Ele me levou na mão, me formou, me deu confiança e não me deixou”, disse certa vez. Em seu primeiro ano, Adams entra apenas esporadicamente na equipe titular. Mas na temporada 1971-1972, assuma a titularidade absoluta e contribuiu com a excelente campanha do Nimes no campeonato francês, ficando atrás apenas do Olympique de Marseille, além de conquistar a Copa dos Alpes. 

Suas atuações lhe renderam 22 convocações para a Seleção Francesa. E a história de Adams está ligada de alguma forma ao Brasil, já que em 1972, o zagueiro viajou com Les Bleus para a disputa da Taça da Independência, um torneio que reuniu 20 seleções para comemorar os 150 anos de independência do país. Ainda como volante, estreou na competição na vitória por 3 a 2 contra a Colômbia, na Fonte Nova. 

Em 73, muda-se para o Nice comandado por Vlatko Markovic. O treinador iugoslavo toma uma importante decisão para a carreira de Adams, mais uma vez recuando o jogador, agora para a defesa. Na Seleção, forma ao lado de Marius Trésor a chamada Le Garde Noire, a Guarda Negra, em português. Porém, o fracasso na missão de levar o time gaulês a Eurocopa de 1976, transformou-se em um desmanche, e Adams não voltou a ser chamado. 

Em 77, após novo vice-campeonato nacional (desta vez pelo Nice), assina com o Paris Saint-Germain, ficando 2 temporadas na equipe da capital, mas sem o mesmo brilho do início de carreira. Sem atingir o mesmo nível técnico, disputa a segunda divisão pelo Mulhouse, até voltar ao amadorismo pelo Chalon. Em 81, detecta-se um problema no joelho. Em março de 82, na data já citada, dá entrada no hospital Edouard Herriot, em Lyon.

Jean-Pierre Adams, então com 34 anos entra em coma profundo. Casado desde abril de 69 com Bernadette, mesmo contra a família da moça, o zagueiro tinha 2 filhos: Laurent e Frederic, na época com 12 e 7 anos, respectivamente. As investigações revelaram que no lugar de dois anestesistas necessários havia apenas um estudante de práticas. Uma sucessão de erros na aplicação da anestesia causou um broncoespasmo, dificultando a respiração, e privando o cérebro de oxigênio por vários minutos. 

Há 36 anos, Bernadette, hoje com 73, segue cuidando de Adams, com 65. “Não há nenhuma mudança, seja boa ou ruim. Tenho a impressão de que o tempo parou em 17 de Março de 1982. Eu falo com ele o tempo todo. às vezes eu diria que ele reage. Quando, por exemplo , ele ouve uma voz que ele não tinha ouvido falar por um longo tempo , eu vejo a diferença. Ele move as mandíbulas , parece que ele vê algo . Quando seus (quatro) netos se divertindo em sua cama , como fizeram nossos dois filho antes deles”. Quanto a desligar os aparelhos, Bernadette é enfática: “É impensável! Ele não pode falar. Não tomaria essa decisão por ele.”


Texto originalmente postado em 27 de janeiro de 2014 no extinto O Futebolista e atualizado em 31 de dezembro de 2018. Foi a primeira menção da história de Adams na imprensa esportiva brasileira.

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